Quando era um jovem com menos de 500 milhões de anos, Marte sofreu uma catástrofe que desligou seu campo magnético, deixou-o exposto a fortes ventos solares e o fez perder quase toda a sua atmosfera.
Essa é a história mais plausível para a infância do planeta, de acordo com as descobertas mais recentes do jipe-robô Curiosity.
A conclusão está em dois estudos publicados hoje na revista "Science", que revelam com precisão inédita a composição do ar em Marte.
Já se desconfiava que o planeta tinha perdido ar no passado, mas ao analisar detalhes na composição de diferentes gases, cientistas se deram conta de que a erosão atmosférica inicial foi muito mais brusca do que se pensava, e só depois se amainou.
Após nascer com uma atmosfera espessa, com pressão centenas de vezes maior que a da Terra, Marte rapidamente perdeu quase todo seu ar e se tornou, talvez, parecido com nosso planeta. A erosão continuou, porém, e hoje o ar marciano é tão rarefeito que sua pressão é de menos de um centésimo daquela na superfície terrestre.
Os cientistas conseguiram deduzir esse histórico de perda de atmosfera porque os átomos mais leves de um gás se concentram no alto da atmosfera, e o vento solar os empurra para fora do planeta com mais facilidade. A proporção de gás argônio com peso atômico 36 para o argônio com peso atômico 40, por exemplo, era maior antes de a atmosfera sofrer erosão.
Cientistas ainda debatem o que pode ter causado essa perda de atmosfera tão brusca, e isso deve ter a ver com o campo magnético do planeta, que dependia de um fluxo de magma em seu interior. Caso esse magma tenha se solidificado, o magnetismo se esvaiu e deixou o planeta exposto ao vento solar, que era mais forte naquela época. Outra hipótese é a de uma grande colisão ter desestabilizado o fluxo de magma.
Para Paul Mahaffy, líder de um dos estudos, impactos com asteroides e cometas podem ter dado conta de afinar a antiga atmosfera marciana.
CONDIÇÕES AMENAS
A missão do Curiosity é investigar a possibilidade de Marte ter tido condições favoráveis à vida no passado, mas ainda não está claro se a história da perda precoce da atmosfera do planeta é notícia boa ou ruim para isso.
Certamente, não é um impeditivo, pois ao menos durante algum tempo a pressão atmosférica do planeta foi adequada para manter água líquida, cujo fluxo deixou sinais em rochas. "A questão é quanto tempo essa água durou", disse Mahaffy à Folha. "É plausível que ela tenha persistido bastante tempo sob uma atmosfera não tão pesada quanto a inicial."
Chris Webster, líder do outro estudo da Nasa que sai hoje, se diz otimista. Mesmo que a atmosfera de Marte tenha sido reduzida a um décimo do tamanho original logo no início, diz, ela ainda teria um valor razoável, e só ao longo do tempo teria sido encolhida para o valor atual.
"Houve um período em que a atmosfera de Marte era similar à nossa, e havia água líquida", diz. "É preciso levar em conta, claro, que a superfície de Marte é muito cruel, com muita radiação ultravioleta, mas abaixo da superfície há a possibilidade de ter havido um monte de ingredientes necessários à vida."
Essas condições amenas, porém, estariam com os dias contados, pois o fim do campo magnético de Marte o levaria a continuar a perder atmosfera e pressão.
Em novembro, a Nasa enviará a Marte a sonda Maven, que vai investigar a atual taxa de perda atmosférica.
Por: RAFAEL GARCIA
Em: FOLHA DE SÃO PAULO
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